Por Ronei Sampaio
Design Colaborativo | Experiência na Agência de Comunicação Solidária
Muito se tem falado
sobre a colaboração nos dias atuais e sobre processos coletivos que apresentam
como diferencial a natureza compartilhada de sua autoria. Essa característica
é, inclusive, apontada como notadamente contemporânea, fruto de uma era em que
as pessoas atuam em rede, compartilham referências em ambiente físico e
virtual. Mas, quando se trata de projetos de design, qual é o espaço possível
para a colaboração efetiva nas diferentes fases dos processos?
Tomando como mote este
tema, este relato tem como objetivo contar do processo empreendido no projeto
Agência de Comunicação Solidária executado na Associação Imagem Comunitária
(AIC).
A
AIC e a Agência de Comunicação Solidária
Com
20 anos de história, a Associação Imagem Comunitária (AIC) é uma organização
não governamental que tem como uma das pautas a promoção do acesso público aos
meios de comunicação. A instituição tem como missão a promoção do direito à
comunicação, da diversidade, do exercício da cidadania e de processos
educativos emancipatórios.
A Agência de
Comunicação Solidária é um dos projetos executados pela AIC e tem como objetivo
o fortalecimento institucional de grupos e movimentos comunitários através de
ações relacionadas ao desenvolvimento de projetos de comunicação integrada.
Os serviços de
comunicação realizados com os grupos têm natureza diversa e abrangem desde a
concepção de press-releases e apoio
em ações de assessoria de imprensa até o desenvolvimento de peças gráficas e
sites. Os grupos e movimentos comunitários acessam o projeto de diversas
maneiras e cada nova demanda propicia novas articulações entre os setores
internos da AIC.
A Agência de Comunicação Solidária e o
design
A
importância do design como atividade e campo de pensamento e pesquisa na AIC
tem ganhado importância nos últimos anos. Intimamente relacionado com a
comunicação, os projetos de Design Gráfico aparecem como necessidade de vários
grupos e entidades atendidos pela Agência de Comunicação Solidária.
Neste
contexto, algumas questões aparecem: a atuação como designer e a condução de
projetos de design na ACS se dariam da mesma forma que eu todos os lugares?
Como seria possível relacionar essas atividades com a própria missão
institucional da AIC e tornar o espaço do projeto de design uma experiência de
aprendizado tanto para o projetista quanto para os grupos envolvidos?
Projetos Colaborativas
Com
essa pulga atrás da orelha, o núcleo de criação visual da AIC se articulou em
torno de pesquisas e experimentações a fim de tornar os processos de fato
colaborativos. Os projetos de construção de identidade visual foram
selecionados como projetos pilotos para os testes de metodologia.
Os grupos de base
comunitária atendidos pela Agência de Comunicação Solidária parecem compreender
a construção de suas marcas como um importante passo do processo de
institucionalização e formalização. No entanto, quando demandas deste tipo
aparecem, raramente acompanham definições mais complexas sobre os conceitos que
norteiam as iniciativas comunitárias ou uma preocupação com questões de
identidade organizacional.
Pensar
em um modo colaborativo de conduzir projetos deste tipo parte de um pensamento
em design que não se limite apenas à lógica “projetista-cliente” e se estende
para outros públicos e contextos, permitindo, inclusive, que as ferramentas e
processos possam ser apropriados para que os próprios sujeitos e grupos
construam representações sobre sua atuação e inserção na realidade social.
Quem
já tratou desse tema? Compreendendo o
design colaborativo
A principal referência
para se pensar em Design Colaborativo no contexto da AIC partiu dos esforços
empreendidos por Martins e Silva (2009) no desenvolvimento de métodos
colaborativos de construção de projetos de identidade visual tendo como base
grupos cujo foco é o trabalho com matérias-primas recicladas. A referência se
mostra interessante pela proximidade temática e também pela natureza semelhante
dos grupos abordados no estudo citado.
Segundo
Martins e Silva (2009), projetos de identidade visual são desenvolvidos a
partir de uma metodologia específica. As autoras afirmam que a marca
desenvolvida deve “exprimir visualmente a essência da entidade, de forma
sucinta e direta, buscando criar, com o público alvo, identificação e
reconhecimento” (MARTINS; SILVA: 2009, p. 5).
Em
linhas gerais, a metodologia envolvida nos projetos de design seguem fases
distintas que, como apontam Ambrose e Harris (2011), constituem-se numa etapa
de definição, pesquisa, geração de ideias, prototipação, seleção, implementação
e aprendizado ou sistematização. A etapa de definição é aquela em que o
projetista levanta questões e entra em contato com a realidade das empresas e
instituições. Essa fase se constitui fundamentalmente a partir de um trabalho
de pesquisa em que informações mais amplas como contexto de atuação das
entidades, seus públicos e concorrentes são levadas em consideração. Ao final
dessa etapa, um documento, chamado de briefing,
é gerado e submetido à aprovação. Será o briefing o responsável por conduzir o
projetista pelas fases seguintes do desenvolvimento da solução.
O
que se verifica é que o trabalho com os grupos de base comunitária levanta uma
serie de questões quanto à atuação do projetista e também sobre a execução do
próprio projeto. Como aponta Martins e Silva (2009), a atuação nesse cenário
propicia reflexões sobre o empoderamento dos sujeitos, a saída de grupos e
movimentos do contexto de invisibilidade simbólica e a geração de emprego e
renda por parte de iniciativas comunitárias.
Nesse
sentido, torna-se importante discutir uma possibilidade metodológica que se
baseie no envolvimento dos sujeitos na concepção do projeto que ultrapasse o
contato inicial apenas no momento de definição e de construção do briefing. Um caminho que se mostra
interessante para pensar essa dinâmica é a concepção de design a partir de seu
aspecto colaborativo, levando em consideração as potencialidades dessa
abordagem para a construção de projetos diversos.
Segundo Klein at al
(2001), o design colaborativo é um processo realizado por múltiplos
participantes, que podem ser indivíduos, equipes ou organizações. O que marca
essa abordagem é a contribuição desses sujeitos capazes a partir de seus
valores, ideias e pontos de vista.
Segundo Fontoura et al
(2005), o design é uma atividade transdisciplinar por princípio o que exige uma
formação ampla e flexível por parte dos designers. Desta forma, para que não
haja uma lacuna em termos de conhecimento, um dos caminhos interessantes é o
desenvolvimento de projetos colaborativos com outros especialistas. Neste
sentido, o autor aponta uma definição de design colaborativo que se assemelha a
visão de Klein:
“O trabalho colaborativo no campo do design se
refere àquele desenvolvido por um grupo de designers ou profissionais,
orientados a objetivos comuns, onde capa participante interfere em todas e em
cada uma das partes do projeto ou problema de design a ser resolvido” (FONTOURA
et al: 2005, p. 2)
O autor ainda
diferencia o trabalho colaborativo do cooperativo. O segundo já faz parte do
cotidiano do designer, uma vez que ele não conseguiria executar o projeto sem o
auxílio de outros profissionais. No trabalho colaborativo, mais etapas são
desenvolvidas cooperativamente por participantes que, mesmo trabalhando
isoladamente, estão alinhados aos objetivos de design.
A concepção
colaborativa de projetos de design coloca em perspectiva o papel do cliente no
processo: ao invés de caracterizado apenas como receptor de produtos, ele passa
a ser visto como fonte fundamental de informações e sujeito capaz de intervir
nos processos (Fontoura et al: 2005).
A possibilidade de
envolvimento de atores múltiplos em projetos de design torna possível a criação
de possibilidades e fontes diversas de conhecimentos, repertórios e saberes
sobre todos os aspectos envolvidos na concepção dos artefatos. No caso dos
grupos de base comunitária, o envolvimento dos sujeitos ultrapassaria a relação
proposta anteriormente entre o designer e outros especialistas, uma vez que são
os próprios membros dos grupos que são estimulados a participar ativamente da
concepção dos projetos e, nesse movimento, evidenciar aspectos relativos à
origem, existência e atuação das iniciativas de caráter comunitário.
Os projetos de
identidade visual guardam algumas particularidades que tornam o envolvimento
dos grupos em sua concepção ainda mais importante. Segundo GOMES FILHO (2010),
os sistemas de identidade visual podem ser associados à ideia de imagem
corporativa que, em linhas gerais, faz referência aos comportamentos, conteúdos
e mensagens de uma instituição.
De acordo com Fascioni
(2010), é possível estabelecer uma distinção entre identidade corporativa e
identidade visual: a primeira noção estaria relacionada ao que, de fato, a
empresa ou entidade é a partir de seus atributos tangíveis ou intangíveis. A
segunda ideia faria menção a um sistema que retome a identidade organizacional
em termos visuais e auxiliaria na definição de atributos de natureza mais
técnica, tais como cores, tipografia, formas, etc.
Segundo Vásquez (2007),
abordar o conceito de identidade visual pressupõe compreendê-lo lado a lado com
a noção de identidade conceitual. Ambos constituiriam algo maior, que é a
identidade da marca. A identidade conceitual seria o conjunto de características
internas da entidade, as quais a diferenciam das demais. A identidade visual,
por seu turno, pode ser caracterizada como um conjunto de signos que são
articulados com o intuito de representar e comunicar a identidade conceitual
das organizações. Tem o objetivo de identificar, diferenciar, associar e
reforçar a imagem das instituições.
Quando acessam a
Agência de Comunicação Solidária, muitas vezes, os grupos de base comunitária
não possuem clareza quanto aos conceitos e noções que direcionam suas iniciativas.
O próprio cotidiano dos grupos não parece favorável para a reflexão sobre esse
tipo de questão. Desta forma, partir de uma concepção colaborativa do método em
design para o desenvolvimento de projetos de identidade visual mostra-se uma
alternativa interessante na medida em que procura fornecer ao grupo um espaço
para pensar na questão “quem eu sou?” e avaliar sua inserção na realidade, sua
história e sobre as diretrizes que conferem coerência as suas ações. De
natureza mais abrangente, um método expandido de concepção de projeto gráfico
poderia auxiliar os grupos na definição de suas “identidades conceituais”
(VÁSQUEZ: 2007) para, a partir daí, avançar na construção de sua identidade
visual.
O Caso Ervanário São Francisco de Assis
Criado por Fernando Vieira e Aparecida Arruda, o
Ervanário São Francisco de Assis tem como escopo de sua atuação a preservação
do conhecimento de manipulação de plantas para a produção de medicamentos
naturais e a ativação do conhecimento tradicional dos raizeiros. O grupo está
situado no Alto Vera Cruz e também produz xampus, cremes, sabonetes, pomadas e
alimentos por meio do aproveitamento do potencial de diversas plantas.
Quando o Ervanário entrou em contato com a Agência de
Comunicação Solidária, o grupo estava interessado em redesenhar a sua
identidade de marca. O desenho atual estava muito vinculado a um momento
inicial da atuação do Ervanário e existiam algumas dificuldades técnicas para a
aplicação da marca em diferentes contextos.
Como proposta, a
Agência de Comunicação Solidária apresentou o método colaborativo que estava
sendo construído após pesquisas e cases
levantados. Ele seria dividido em cinco etapas: ambientação, sensibilização,
definição, conceituação e execução.
A etapa de
ambientação se deu na primeira reunião com o grupo. Quem são vocês, quem somos
nós e o que queremos com esse projeto
foram as questões que nortearam a conversa. O momento foi realmente o de escuta
mútua.
A etapa de
sensibilização se iniciou com a apresentação de todos os materiais já
produzidos por parte do grupo. Foram apresentados um folder, cartão de visitas
e rótulos de produtos comercializados pela Ervanário. A equipe da AIC abordou o
universo da marcas, convidou o grupo à reflexão sobre as potencialidades do
desenho, as relações entre identidade visual e identidade
conceitual|institucional.
A etapa de definição
teve como mote a construção coletiva de um briefing.
Precisávamos compreender conjuntamente o que era este documento e como ele
iria orientar a criação. O desafio era construir esse documento por meio da
observação do próprio cotidiano do grupo. Quais eram as cores predominantes no
contexto do Ervanário? Quais elementos materiais e imateriais caracterizam a
atividade do grupo?
A conceituação das
atividades do grupo teve como premissa a construção de uma receita para o Ervanário. Alguns conceitos novos surgiram e outros
foram retomados. Alguns termos como cuidado, aconchego, resgate, fazer manual e
espiritualidade foram apontados pelo grupo. Neste momento, Fernando e Aparecida
sugeriram um elemento a ser trabalhado – a raiz. Para eles, ela evocaria ideias
como crescimento, geração e vínculo com a terra.
Como tratar esse
elemento visualmente? Esse foi o desafio da etapa de execução do projeto. Para
tanto, decidiu-se pela realização de uma oficina de desenho e composição com o
grupo. O objetivo era retomar noções como ocupação do espaço, estruturação dos
elementos compositivos, ritmo, harmonia, etc. O encontro ocorreu na sede do
grupo e foi marcado pela experiência com o elemento norteador – a raiz.
Fernando e Aparecida fizeram diversas experimentações, observando, testando e
estruturando desenhos com as raízes. No fim, compuseram letras com raízes,
fazendo com que elas mimetizassem elementos tipográficos.
Ao final desta etapa e a partir do resultado da
oficina, o material foi finalizado e preparado para as aplicações,
observando-se normas técnicas, exigências de redução e versatilidade para as
aplicações.
Referências
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Gavin; HARRIS, Paul. Design thinking. Porto
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p.
FASCIONI, L. DNA Empresarial: Identidade corporativa
como referência estratégica. São Paulo: Integrare Editora, 2010. 168 p.
FONTOURA, A.M. et
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http://www.ipen.br/biblioteca/cd/cbc/2005/artigos/49cbc-21-04.pdf>. Acesso
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VÁSQUEZ,
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Acesso em: 2 ago. 2012.
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